Um estrondo forte despertou a vizinhança da Rua Flor de Liz na madrugada de sábado para domingo do dia nove de setembro de 2018.¹ Serenava uma noite escura lá fora e a ausência de qualquer iluminação elétrica na via pública, sem calçamento, tornava ainda mais temerosa uma possível saída para verificar o que teria se passado. Depois do barulho alto, que cortou todo o horizonte até encontrar os poucos carros que cruzavam a estrada de Belo Horizonte para o Rio de Janeiro, distante, o silêncio rompeu novamente.
Tão logo amanheceu, os vizinhos de uma das primeiras casas da rua² notaram que a porta estava aberta, com sinais de arrombamento.¹ Gritaram da rua pelo senhor Sílvio, que não respondeu. Outros tentaram gritar por “Minha Pedra”, seu apelido.³ Nada. Decidiram então entrar, a passos lentos e cuidadosos, avançando pelos poucos metros que separavam a rua do quarto onde o homem de 55 anos dormia. À medida que se aproximavam, sentiam no ar que alguma coisa estava claramente errada.
O noticiário da região nos últimos meses também não era muito reconfortante. A execução de um adolescente de 13 anos no ano anterior⁴ ainda habitava o imaginário popular, criando uma atmosfera contínua de zelo e preocupação. Em março, a Polícia Civil foi levada ao bairro depois de um pedreiro confessar o assassinato de sua ex-namorada e o filho do casal, de sete meses⁵. Os restos mortais das vítimas, escondidos sob entulhos, foram resgatados pelos policiais não muito longe da Rua Flor de Liz.
Medo e apreensão definitivamente não estavam nas expectativas dos primeiros habitantes do Balneário Água Limpa, situado na fronteira dos municípios de Nova Lima e Itabirito, Região Metropolitana de Belo Horizonte. Aos pés da Serra da Moeda e adornado por uma fabulosa lagoa azul, como aquela encontrada no vizinho Alphaville, até os anos 2000 o então pacato bairro transmitia uma imagem de paz e tranquilidade que só uma típica paisagem campestre poderia oferecer.
E não era só a paisagem que sugestionava que aquele seria um bom quintal para o Minha Pedra, vindo da Bahia. Moradores mais antigos têm orgulho de contar que o Balneário foi lançado por Juscelino Kubitscheck, o prefeito de Belo Horizonte, governador de Minas Gerais e presidente brasileiro cuja trajetória esteve intimamente relacionada a grandes realizações urbanas. Um clube modernista ainda hoje situado na beira da lagoa, feito um Iate Tênis Clube de Belo Horizonte, não só parece reforçar o vulto de JK, como também levanta uma questão corriqueira: quem foi o arquiteto responsável pela obra?
Território de grandes inquietudes e controvérsias, o fato é que nos anos 1950 se anunciava o “maior e mais arrojado plano de urbanização do país” no “mais pitoresco recanto das Alterosas”. O primeiro capítulo de uma história que ainda seria marcada por uma rede de motéis espalhados por todo o Brasil, políticos importantes, misses brasileiras, um avião soviético apreendido em São Paulo e ameaças de morte. Mas o plano de voo começa justamente no Balneário. Uma Pampulha no Vetor Sul de Belo Horizonte. Um sonho americano no coração de Minas Gerais.
PRIMEIRO ATO PLANO DE VOO
O Mais Pitoresco Recanto das Alterosas
A edição natalina do Jornal Tribuna de Minas de 1953 trazia um anúncio um tanto eufórico: “Espetacular a procura e terrenos de Água Limpa!”. “Numa demonstração impressionante do valor do audacioso empreendimento, foi praticamente encerrada a venda de lotes na mais bela cidade balneária do país. Dos 3000 lotes de Água Limpa, poucos restam ainda à disposição do público!”.
Com assinatura da Construtora Alfa S.A., destacando a “urbanização e vendas” do loteamento recém-aprovado pela Prefeitura de Nova Lima, o anúncio listava os atrativos do Balneário: “Valorização imediata do seu terreno; Água pura de várias nascentes em pleno balneário; posição privilegiada, à margem da BR-3; Clima saudável o ano inteiro; Paisagens maravilhosas em planícies incomparáveis; 30 minutos apenas do centro da cidade; O mais arrojado projeto urbanístico já idealizado e em execução no Brasil; Região ideal para o seu weekend; Belos lagos e bosques”.⁶
No primeiro dia de 1954, era vez da Revista Alterosa trazer um novo anúncio: “Impressionante! 2.000 lotes vendidos em apenas 15 dias!”. E destacava: “Pela primeira vez na história imobiliária de Belo Horizonte, registra-se este acontecimento excepcional: uma empresa vende 70% dos terrenos de um loteamento antes de lançá-los oficialmente à venda! Isto aconteceu com o já famoso Balneário Água Limpa, da Construtora Alfa S.A., numa impressionante demonstração de confiança, por parte do povo, no maior e mais arrojado plano de urbanização já lançado no país!”.⁷
Três meses depois o jornal “Doa a Quem Doer” já trazia animadas informações sobre o andamento das obras. “O asfaltamento da estrada BR-3 está sendo feito pelos poderes públicos; a formação de três belíssimos lagos e a urbanização local, concepções da técnica moderna são realizadas pela Construtora Alfa S.A.”⁸
Ainda no papel, o Balneário Água Limpa se projetava como a primeira grande oferta residencial nas margens da tão sonhada e promulgada BR-3, a rodovia Rio – Belo Horizonte prometida por Juscelino Kubitschek, quando ainda governava Minas Gerais. “Era a antiga ambição dos que almejam o acelerado progresso do Brasil e querem os Estados vinculados por modernas e eficientes estradas”, diria JK, três anos depois, já Presidente. “Eu a prometi como candidato, mantive no governo o firme propósito de concluí-la e tenho a felicidade de inaugurá-la no primeiro aniversário do meu mandato”.⁹
O lançamento da estrada selava não só o progresso rodoviário e automotivo, que seria característico no governo de Juscelino, como antecipava o início da expansão do Vetor Sul de Belo Horizonte em direção a vizinha cidade de Nova Lima.¹⁰ Dona de quase todos os terrenos lindeiros à rodovia, como este onde nascia agora o Água Limpa, a Morro Velho¹¹ (Saint John d’El Rey Mining Company) encontrava duas grandes e novas jazidas para explorar: a de ferro e a imobiliária. Em poucos anos estariam às margens da estrada novas minas e outros loteamentos para residências e casas de campo como Retiro das Pedras, Jardim Canadá, Vale do Sol e Morro do Chapéu.
O Balneário se revelava como um chamariz deste ambicioso projeto. Ainda no jornal “Doa a Quem Doer” de Março de 1954, a Construtora Alfa anunciou: “A beleza panorâmica, o clima privilegiado, (1350 mts.), a pureza das águas são dotes divinos que só o Balneário Água Limpa possui. Para restauração de suas energias e descanso espiritual, passe ali seus fins de semana, proporcionando saúde e alegria aos seus filhos”.⁸
Declarando que seus três mil lotes estavam praticamente todos vendidos, a Construtora Alfa forjava também um novo atrativo turístico nas imediações de Belo Horizonte. Mas faltava ainda um ingrediente especial para atrair as figuras da “mais alta projeção social em Belo Horizonte”.
Uma agremiação de elite para a elite mineira
No dia 23 de Julho de 1955 a renomada revista O Cruzeiro estampava o Balneário de Água Limpa. A página trazia um álbum de fotos com Aparecida Benz, eleita Miss Minas Gerais naquele ano, posando para a peça publicitária que anunciava a criação do “Clube dos 300”, “uma agremiação de elite para a elite mineira”. “Banqueiros, industriais, médicos, engenheiros, advogados, jornalistas e comerciantes, figuras da mais alta projeção social em Belo Horizonte, reuniram-se para fundar, em Água Limpa, um clube ideal, projetado nos moldes das mais famosas agremiações campestres dos EE UU (Estados Unidos).”
O anúncio também respondia a uma questão criada por ele próprio: “Eis por que Água Limpa foi escolhida para sede do ‘Clube dos 300’: Distante apenas 32km de Belo Horizonte pela BR, já em fase de asfaltamento (20 minutos de automóvel). Topografia belíssima e clima privilegiado. Dois grandes lagos artificiais. 300 metros de praia à margem do lago principal. Água puríssima em abundância (nascentes próprias). Campos de esporte e ‘play-ground’ infantil.”.¹²
As obras se iniciaram no final dos anos 1950, resultando em uma construção modernista, à exemplo do Conjunto Arquitetônico da Pampulha, assinado por Oscar Niemeyer na década anterior. Batizado oficialmente de “Clube Náutico Água Limpa”, os jornais da época não detalham quem seria o arquiteto responsável pelo projeto. Anos depois, contudo, uma anunciada expansão seria atribuída ao engenheiro civil Gil César Moreira de Abreu, engenheiro-chefe da construção do estádio Mineirão na década de 1960.¹³
Junto do Clube Náutico nascia também o Motel Clube Minas Gerais – “um empreendimento de Motel Clube Sociedade Incorporadora Ltda e da Construtora Alfa S.A.”¹⁴ – do outro lado da lagoa. Se por um lado a arquitetura do Motel se apresentava mais tímida e conservadora, por outro se anunciava como o primeiro de uma ambiciosa rede de hotéis que seriam “construídos no Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília, Três Marias, Guarujá, Guanabara e Guarapari”.¹⁵
Em entrevista para o jornal Diário Carioca do dia 15 de Abril de 1962, um dos diretores da Motel Clube Sociedade Incorporadora Ltda., Cícero Ferreira Nadais, apontou que o “Água Limpa possui, além dos conjuntos de motéis, um excelente lago, o Clube Náutico, campos de vôlei, basquete, quadra de tênis, duas piscinas naturais com ducha, e ‘play-ground’. Além disso, no lago, é permitida a pesca, e nada menos que 40 fontes de água pura e altamente mineralizada poderão ser usufruídas pelos sócios”.
Sobre o edifício-sede do Motel, o diretor detalhou: “Possui dois pavimentos, sendo que no andar térreo existem o ‘hall’ de entrada, sala de recepção, restaurante, salão de bilhar, dois salões para jogos permitidos e mais quatorze apartamentos para casal e criados, que poderão ser usados para casos de emergência. No primeiro andar, um salão para boate, um bar americano, uma moderna cozinha, completa lavanderia inteiramente automática e mais três apartamentos compostos de sala, quarto e banheiro”.¹⁶
A iniciativa de todo este complexo era de José Caetano Drumond, “um homem que não se contentou em ver o mundo e suas coisas, foi mais além, e teve a antevisão da realidade nacional e acreditou no desenvolvimento do turismo no Brasil”, segundo palavras dos jornalistas Fernando Brant e José Nicolau, que escreveram sobre o Motel Clube em 1970, em uma seção que a rede mantinha na revista paulistana A Cigarra. “Já é tempo de se escrever a história do Motel Clube Minas Gerais, já é tempo de se falar sobre seu fundador, sobre seu início, seus dez anos de existência”.¹³
Ao lado de José estavam seus filhos Hamilton Caetano Drumond e Hélcio Caetano Drumond, que já respondiam como diretor-presidente e diretor-vice-presidente do MCMG (Motel Clube Minas Gerais) desde pelo menos 1966, ano em que José veio a falecer. O cargo de diretor-tesoureiro era ocupado pelo seu terceiro filho homem, Cid Mattioli Drumond.¹⁷
As páginas do Motel Clube na revista A Cigarra já tinham publicado a história de José Caetano em 1969. E previam: “Quando for escrita a história do turismo em nosso país, certamente haverá uma página dedicada a José Caetano Drumond, para contar sua obra, tornada realidade graças a muito trabalho, idealismo e sacrifício, sempre impulsionada por sua incansável fé e esperança sem limites no seu trabalho e no apoio que receberia dos que dele se beneficiariam mais tarde”. ¹⁸
O Seu Caetano
Nascido em Ponte Nova, município da Zona da Mata mineira, no dia 23 de Novembro de 1906, José Caetano Drumond estabeleceu-se em Belo Horizonte como empresário de múltiplas empresas e negócios, especialmente no mercado imobiliário. O Motel Jornal publicado na revista A Cigarra de 1969 listava alguns de seus legados, como a usina de açúcar Ovídio de Abreu, na cidade mineira de Lagoa da Prata, além de “vários loteamentos na capital mineira – bairros Sion, Ipanema, Soberana, Tupi, Flamengo, Bandeirante e o Balneário de Água Limpa, marco inicial do seu maior feito”.¹⁸
É que do primeiro Motel em Água Limpa, a rede hoteleira foi se espalhando pelo país, ganhando leitos em Angra dos Reis (RJ), Ilha Bela (SP), Poços de Caldas (MG), Guarapari (ES) e outras dezenas de cidades turísticas brasileiras. Segundo anúncio da companhia , essa era uma “iniciativa inédita no Brasil”.¹⁴ Comprando uma cota, os sócios teriam descontos e vantagens em todos os motéis da rede, além de entrada franca em qualquer um dos clubes conveniados.
Em 1970, ano da reportagem de Fernando Brant e José Nicolau, eram ”58 hotéis em funcionamento, além de sete clubes de campo”. Do pioneiro Clube Náutico Água Limpa, os sócios do MCMG podiam desfrutar agora do Country Club Itatiaia (Itatiaia, RJ), Guratiba Country Club (Barra de Guaratiba, RJ), Brasília Country Club (Campos Novos Paulista, SP), Clube de Campo Aralu (Santa Isabel, SP), Clube Fazenda Boa Fé (Teresópolis, RJ) e o Enchanted Valley Club (RJ).¹³
Em 1969, “157.719 pessoas se utilizaram deste patrimônio, que lhes pertence”, destacaram Fernando e José. “E a rede, agora, estende seus braços para fora do país, com a aquisição do Grande Hotel España, em Montevidéu (Uruguai)”.¹³ A mesma revista A Cigarra anunciava naquele ano que “mais do que poderiam esperar os pessimistas e descrentes que não acreditam na possibilidade de realizar tanto em tão pouco tempo, o Motel Clube de Minas Gerais cresceu muito. Hoje, ele constitui a maior rede hoteleira da América do Sul, colocada à serviço de seus próprios proprietários”.¹⁹
À medida que a rede se espalhava pelo Brasil se popularizando e popularizando o turismo nacional, ao longo dos anos 1960 e 1970, o Clube Náutico Água Limpa se tornava destino usual de parcela da classe média e da “alta sociedade” mineira, disputando atenção com outras duas agremiações e sedes sociais erguidas no encalço da BR-3. A primeira delas, o Clube do Retiro das Pedras, fundado em 1957 e inaugurado em 1958, com projeto do arquiteto Eduardo Mendes Guimarães Junior.¹¹ E o segundo, conhecido originalmente como Unidade de Vizinhança Quintas do Morro do Chapéu – depois Morro do Chapéu Golfe Clube – que teve o loteamento aprovado no mesmo ano de 1958.
Fernando e José descreveram que a região do Balneário era “maravilhosa, mas lhe faltavam instrumentos do progresso”. “Hoje, graças ao Motel, tudo está no lugar: água, luz, telefone, esgotos. E o Clube Náutico Água Limpa vai sendo modernizado, vai sendo preparado para oferecer o maior conforto e tranquilidade possíveis a seus sócios”.
Ao que os anúncios indicavam, as promessas imobiliárias da BR-3 estavam começando a decolar. E quanto ao Motel Clube Minas Gerais, os jornalistas Fernando Brant e José Nicolau escreveram: “Você pode ficar certo: o MCMG não pára, continuará sempre (dentro do espírito das idéias de seu fundador) buscando dar a seus sócios o maior conforto, as melhores férias”.¹³
O Cidadão Carioca
O jovem jornalista Fernando Brant, que logo ficaria famoso como músico integrante do Clube da Esquina, acertara em cheio que o MCMG não iria parar. Mas depois de dez anos sendo gestado nas mãos da família Drumond, ganhando notoriedade em todo país, quem assumiria a história do Motel Clube a partir de 1970 seria um empresário alemão chamado Julius Schlanger.²⁰
Nascido em Dusseldorf, Julius chegou ao Brasil aos 18 anos. Trabalhou com comércio de importação e exportação, em Belém do Pará, até se fixar no Rio de Janeiro em 1950, para se dedicar à indústria hoteleira.²¹ Em 1970, ano em que o Motel Clube Minas Gerais celebrou cerca de 200mil reservas, o alemão assumiu o controle da Companhia de Empreendimentos Minas Gerais, sucessora da Motel Clube Sociedade Incorporadora Ltda, e administradora do MCMG. Uma nota publicada no Jornal do Brasil em 1971 destaca que “a nova direção responsabilizou-se por todo ativo e passivo e já investiu acima de 3 milhões de cruzeiros no aperfeiçoamento dos serviços e das instalações hoteleiras, enquadrando o Motel Clube Minas Gerais entre as maiores e mais importantes entidades internacionais do gênero”.²⁰
Nos bastidores, contudo, a negociação entre a família Drumond e a família Schlanger gerou uma notícia discreta no jornal Diário do Paraná, publicada em 17 de Janeiro de 1973. Intitulada de “Ex-dono do Motel Minas teme pela vida”, a nota conta que “o comerciante Hamilton Caetano Drumond, ex-dono do Motel Clube Minas Gerais, compareceu à Delegacia de Homicídios, à fim de pedir garantias de vida para ele e sua família, que estariam sendo ameaçados de morte. Em sua representação, apontou Julius Schelanger e Leo Schelanger como autores de uma série de telefonemas para a sua residência.”²²
A declaração do ex-presidente do MCMG indicava que “as ameaças são decorrentes da venda do Motel Clube Minas Gerais, hoje Motel Clube Brasil, a Julius e Leo. Os dois ficaram devendo-lhe determinada importância e não querem aceitar nenhum acordo para um acerto de contas”. “Segundo Hamilton, há menos de uma semana procurou os dois pela última vez mas não conseguiu chegar a um acordo e ainda passou a ser ameaçado através de telefonemas”.²²
De toda forma, em setembro do mesmo ano, Julius receberia o título de Cidadão Carioca, conferido pela Assembleia Legislativa da Guanabara. “O Motel congrega hoje, 150mil sócios na Guanabara e cerca de 400mil em todo o Brasil, aos quais presta serviços, oferece hospedagem e alimentação, empregando para isso seis mil pessoas, em equipes espalhadas em todas as regiões”, diria nota publicada n’O Jornal.²¹ A Revista Manchete atribuía o novo título do Sr. Julius Schlanger “por ter tornado as férias mais acessíveis a um número maior de pessoas”.²³
Da primeira e singela hospedaria, construída às margens da lagoa de Água Limpa, o Motel Clube Minas Gerais seguia agora como o nacional Motel Clube Brasil, até se assumir como a rede internacional Interpass Club – International Vacation Passport Club nas décadas seguintes. Enquanto isso, um dos membros da família Drumond tomava a alcunha “Clube Náutico Água Limpa” para mais uma cruzada publicitária. E ela já sobrevoava o Balneário, o originário clube modernista e a Rua Flor de Liz, onde viria morar o baiano José Minha Pedra.
Segundo Ato A Decolagem
O Voo do Clube Náutico Água Limpa
“Você está querendo demais passar um fim de semana no Rio, mas quando pensa na passagem, você desiste. Agora, você pode ir curtir uma praia, ver uma boa peça, fazer uma compra (você pega o sábado todo), divertir-se, relaxar, entrar numa boa. Segunda-feira você estará bem disposto para o trabalho. Terá passado o fim de semana que há séculos você desejava. E o melhor: você foi de avião e hospedou-se num dos melhores hotéis da cidade, o Othon, de classe internacional. E o que você pagou por tudo isso – passagens de ida e volta, taxas de embarque, hospedagem, etc? Apenas Cr$3.000,00 se você foi sozinho. Se você foi com a esposa, nas mesmas condições, pagou somente Cr$3.500,00. Como isso é possível?”²⁴
Com o título “Viaje de Graça! Se não acredita, leia a reportagem…” o Jornal Correio Braziliense do dia 24 de Julho de 1977 noticiava o novo Clube Náutico Água Limpa, agora um clube aéreo de viagens “nos moldes europeus em que turismo é coisa que se deve fazer constantemente, por pequenos espaços, mas sempre”.
A reportagem seguia, explicando: “Este clube oferece oportunidades (ele tem um calendário estabelecido para o ano inteiro, tudo certinho, planejado, estudado) de você ir e voltar a qualquer ponto do país, sem pagar a passagem de avião (é sempre de avião), e pagando somente a hospedagem nos hotéis selecionados por ele”.
Conforme modelo de negócios do Motel Clube Minas Gerais, para gozar destes benefícios era preciso se tornar sócio do novo clube aéreo. Nesta primeira oferta, o título familiar poderia ser adquirido pelo valor de Cr$6.500.00, mais Cr$500,00 da taxa de inscrição. Feitos os pagamentos da taxa e da primeira parcela do título, “Você só precisa avisar, com antecedência, que quer viajar no dia tal”.²⁴
Em 1979 a novidade era anunciada em São Paulo, em uma reportagem da jornalista Miriam Guedes de Azevedo, que fez uma breve recordação da história: “Antes de ser um clube aéreo de viagens, o Água Limpa era apenas um clube náutico. Sua sede fica nas margens de uma represa, em Belo Horizonte, onde possui área para camping, lagoa de água mineral para a prática de esportes, sauna, restaurante, salão de jogos, áreas verdes, play-grounds, chalés e apartamentos”.²⁵
Segundo Miriam, a “descoberta” do clube aéreo era de “Cid Drumont, empresário mineiro, proprietário único de todo um complexo turístico que usa técnicas avançadíssimas para atender a seus associados”. Com a “compra de cinco aviões DC-3” o Clube Náutico partia agora “para uma atividade inédita em toda América do Sul: transportar seus associados em aviões próprios, transformando-se assim em clube aéreo”.
Depois de experimentar um dos roteiros da empresa, a jornalista relata os cuidados do idealizador com a experiência dos associados: “O voo nos aviões do clube merece destaque especial. Os aparelhos foram totalmente remodelados, sob orientação direta de Cid Drumont. Internamente decorados com extremo bom gosto, com carpetes coloridos, cortinas nas janelas e poltronas estampadas, oferecem um certo clima de intimidade. Uma vez liberados os cintos de segurança, os passageiros têm total liberdade a bordo das aeronaves, podendo até fazer uma visita à cabina de comando, onde os tripulantes têm sempre uma maneira simpática de deixar qualquer um à vontade”.
Se por um lado a alcunha do “Clube Náutico Água Limpa” era mantida, um outro sobrenome assumia agora o noticiário. No lugar de Cid Mattiolli Drumond, terceiro filho homem de José Caetano Drumond²⁶ que constava no quadro do Motel Clube Minas Gerais como diretor-tesoureiro até junho de 1968²⁷, agora os jornais atribuiriam o novo clube aéreo a Cid Drumont ou Cid Mattioli Drummond, sem qualquer menção ao MCMG.
Dentre as opções de passeios do Clube estavam as cidades de Rio de Janeiro, São Paulo, Santos, Guarujá, Caldas Novas, Ubatuba, Guarapari, Poços de Caldas, Belo Horizonte, Angra dos Reis, Foz do Iguaçu, São Lourenço, Parati, Cabo Frio, Gramado, Ouro Preto, Lindóia, Salvador, além dos convênios internacionais com Argentina, Paraguai e Uruguai. Nas hospedagens, também nada de Motel Clube Minas Gerais, Motel Clube do Brasil ou Interpass. Os sócios ficavam acomodados em “hotéis da primeira classe das redes Othon, Sheraton e Holiday Inn”.²⁸
Os primeiros aviões do CNAL foram adquiridos em um leilão promovido pela Força Aérea Brasileira.²⁵ Estampados com os dizeres Clube Náutico Água Limpa, os cinco Douglas DC-3 desta curiosa frota só não chamariam mais atenção que uma aeronave soviética que pousou no Aeroporto da Pampulha, em outubro de 2001. Proveniente das ilhas oceânicas de São Tomé e Príncipe, na costa ocidental da África, o clássico Yakovlev Yak-40 seria a mais moderna aeronave a viajar com os sócios do Clube até agosto de 2002, quando um incidente de percurso selou seu destino.
Segundo informações publicadas no AeroEntusiasta, um site de apaixonados por aviação, “consta que em 05/08/2002 o Yak-40 realizava mais um voo entre a Pampulha/BH (PLU) e Foz do Iguaçu/PR (IGU), mas devido a condições meteorológicas adversas (no) destino, foi realizado um pouso não programado no Aeroporto de Ribeirão Preto/SP (RAO). A operação do exótico avião com passageiros brasileiros a bordo, teria chamado a atenção das autoridades locais que foram a bordo para checar a documentação. Diante das irregularidades encontradas, o DAC (Departamento de Aviação Civil – atual ANAC) reteve a aeronave em solo, inicialmente por irregularidade na licença para operar no país. Posteriormente outras inconformidades foram apuradas e a Justiça Federal finalmente decretou a apreensão da aeronave, que permanece até os dias atuais em Ribeirão Preto.”²⁹
O Clube Náutico Água Limpa voltaria a estampar uma outra aeronave entre 2013 e 2014, um Boeing 737-300 que havia pertencido à extinta Webjet, assumindo também um novo nome fantasia, o viajar.com.vc.³⁰ À frente da nova temporada estava agora Cid Drummond e Christiane Drummond, filhos de Cid Mattioli Drummond.
Tendo como base a cidade paulista de Rio Preto, todo fim de semana existia uma viagem programada. “O avião decola no início da manhã e retorna ao anoitecer. Há também viagens que duram dois ou três dias. A proposta é oferecer passeios para os mais variados pontos turísticos do Brasil. Por enquanto há passeios programados para Caldas Novas (GO), Cabo Frio (RJ) e Campinas”, reportou o jornalista Bruno Ferro, em fevereiro de 2014, no Diário da Região. “Funciona assim: o sócio entra no site, vê a programação e faz a reserva. Algumas viagens são de graça, como as três já programadas, e outras por um preço inferior às passagens aéreas comuns.”³¹
Em outubro daquele ano, o Clube celebraria a inauguração de um lounge no Plaza Avenida Shopping, na cidade sede. A jornalista local Malu Rodrigues, cujo site “Malu Visita” já havia registrado ao menos dois passeios do viajar.com.vc, publicou: “O Lounge é uma ótima oportunidade do consumidor conhecer e adquirir os planos do Clube. Durante o evento o Presidente de Honra Sr. Cid Mattioli Drummond, o diretor presidente Cid Drummond e a diretora social Christiane Drummond receberão a todos e apresentarão esse novo conceito de viajar, inédito na América Latina.”.³²
Pouco meses depois, contudo, o Boeing 737-300 se assombraria com o mesmo destino que foi dado ao avião soviético. Enquanto o trijato abandonado segue atraindo curiosos em Ribeirão Preto, a aeronave da Viajar.com.vc ficaria em solo do aeroporto de Rio Preto, onde também segue sendo fotografada por entusiastas da aviação. As duas máquinas pareciam indicar que era hora da viajante alcunha Água Limpa aterrisar as asas de volta no chão. Afinal, o que teria acontecido com “o mais pitoresco recanto das alterosas?”
Terceiro Ato O Pouso
O Superior Tribunal de Justiça
Na manhã do dia 11 de Setembro de 1970 chegava às bancas uma edição do Jornal do Brasil com uma pequena mensagem de um leitor chamado Jorge Bentes. Educada e editada, de maneira que pudesse caber na seção de cartas do periódico, dizia: “Alguns anos atrás, por intermédio da Construtora Alfa S.A., com sede em Belo Horizonte e filial no Rio, tendo como diretor o Sr. Hamilton Drumond, atual presidente do Motel Clube Minas Gerais, comprei dois terrenos no balneário Água Limpa, estando agora ambos pagos. Há muito tempo procuro informações sobre os ditos terrenos, sem nada conseguir, seja no Rio, seja em Belo Horizonte, ou no Motel Clube Minas Gerais, onde o Sr. Hamilton Drumond nunca é encontrado, (…)”.³³
Com a sequência cortada, no parágrafo seguinte Jorge questiona: “Afinal, a Construtora Alfa ainda existe ou faliu? O Sr. Hamilton Drumond ainda tem ou não alguma coisa com o assunto? E a documentação assinada por ele, nada representa? Com a publicação de minha carta talvez os responsáveis pela venda do terreno resolvam atender minha pretensão, justa e de direito,”.
Trinta e três anos depois, outra cidadã brasileira recorreria ao Superior Tribunal de Justiça o reconhecimento de um lote comprado no Balneário. “Em novembro de 1954, Marysia Malheiros firmou com a Construtora Alfa S.A. um compromisso de compra e venda de um lote em Nova Lima (MG), em caráter irrevogável, quitando a última prestação em dezembro de 1960. Como não lhe foi firmada a correspondente escritura definitiva, em janeiro de 1999 ela ajuizou uma ação de adjudicação compulsória, ação judicial destinada a promover o registro imobiliário quando não vier a ser lavrada a escritura.”, detalhou uma reportagem publicada no Jornal do Commercio de 2003.³⁴
Como o juiz da Primeira Vara de Nova Lima “entendeu que ocorreu a prescrição (modo pelo qual um direito se extingue em vista do interessado não o exercer em determinado lapso de tempo), uma vez que o tipo de ação prescreve em 20 anos”, “a compradora apelou ao Tribunal de Alçada de Minas Gerais, que, contudo, manteve a sentença, levando Marysia a recorrer ao STJ”.
Em votação, os integrantes da Turma seguiram o entendimento do ministro Ruy Rosado, que apontou que “o contrato de compra e venda de bem imóvel sem cláusula de arrependimento confere ao comprador que cumpre integralmente a sua prestação o direito de o juiz imprimir caráter definitivo ao contrato preliminar”. Em março de 2003, a bibliotecária Marysia Malheiros sairia vitoriosa da decisão em Brasília, abrindo uma margem de esperança para outros tantos vizinhos de lote em situação parecida no Balneário Água Limpa.
O Juscelino
Outra pessoa otimista na virada da década de 1990 para os anos 2000 era o advogado especializado em direito imobiliário Lauro Alves Garcia, conhecido por coordenar e planejar a venda de loteamentos importantes na capital mineira e adjacências. Desde os anos 1980 que o empreendedor vinha esperando um “boom imobiliário” em direção ao “denominado vetor Sul da Região Metropolitana de Belo Horizonte”.
Cumprindo as expectativas de Lauro, o novo século revelava mesmo uma nova era da BR-3, conhecida agora (desde 1964) como BR-040. Depois de ser pavimentada e inaugurada nos idos dos anos 1950, abrindo espaço para o surgimento tanto do Balneário Água Limpa como dos bairros e condomínios Jardim Canadá, Vale do Sol, Retiro das Pedras, Morro do Chapéu, Miguelão e os primeiros loteamentos modernos do Vale do Mutuca, a aprovação do Condomínio Alphaville Lagoa dos Ingleses, em fins dos anos 1990, reaqueceu e intensificou a especulação imobiliária da região.
Também às margens de uma represa artificial, o novo empreendimento se aproveitava de uma das três lagoas idealizadas pelo britânico George Chalmers à frente da Saint John Del Rey Mining Company, construídas entre 1904 e 1937, como coletoras de água para a Usina Hidrelétrica Rio de Peixe, que passaria a fornecer energia para a companhia. Em função da herança inglesa, a “Lagoa Grande” ficaria conhecida como Lagoa dos Ingleses, ganhando também a arquitetura do centro comercial na entrada do loteamento.
Quando o Alphaville mineiro ainda era uma semente, portanto, Lauro já pesquisava a região. “Em 1987, conheci um bairro enorme, em torno da Lagoa de Água Limpa, a 1km da Lagoa dos Ingleses, na BR-040, denominado Balneário Água Limpa”, contou o advogado para a jornalista Marina Alves, em entrevista publicada no caderno Habitar, do semanário Pampulha, no dia 27 de novembro de 2009.
Na sequência, Lauro Garcia faz uma revelação que pode ter ficado oculta em toda a imprensa brasileira até aquele momento, e que hoje encontra eco em muitos moradores do Balneário: “Descobri que ele (o Balneário Água Limpa) havia sido lançado pelo governador Juscelino Kubitschek, para ajudar a financiar sua campanha à Presidência da República. Unidades foram vendidas no Brasil inteiro. Em Belo Horizonte, os lotes haviam sido comprados por integrantes de famílias importantes na época. Muito longe, e sem urbanização, o bairro não decolou”.³⁵
“Descobri que ele (o Balneário Água Limpa) havia sido lançado pelo governador Juscelino Kubitschek, para ajudar a financiar sua campanha à Presidência da República. Unidades foram vendidas no Brasil inteiro.
A mesma informação é reforçada em um site do Balneário, cujo domínio pertence à Associação Bairro Balneário Água Limpa (ABBAL): “O Balneário Agua limpa foi aprovado em 1953, com a finalidade única de ajudar a financiar a campanha de JK, sendo que a urbanização é inexistente para quase a totalidade do balneário.”³⁶
De fato, é possível que em meados de 1953, Juscelino já estivesse considerando e até se organizando para uma possível candidatura no pleito de 1955, quando Getúlio Vargas deveria deixar a Presidência da República. Governador de Minas desde 1951, o próprio JK escreveria, anos mais tarde, que seu nome vinha sendo observado desde o início daquela década:
“Minha atuação à frente do governo de Minas era observada com interesse pelos círculos políticos nacionais. Tratava-se de um novo sistema de administração: respeito à opinião dos adversários; e uma ação dinâmica, com o próprio governador transformado em fiscal de obras, fazendo-se presente em todas as frentes de trabalho. Em novembro de 1954, o senador Dinarte Mariz afirmara em entrevista aos jornais do Rio: ‘Desde 1951, nosso partido vem observando Juscelino com o maior interesse.'”.³⁷
O ano de 1954 seria de grande turbulência na política nacional, culminando no suicídio de Getúlio Vargas no dia 24 de Agosto e nos tensos meses que se seguiram. Ainda assim, JK escreve: “Naquele momento o quadro político era o mais confuso possível. Entretanto, ninguém tinha dúvidas de que, no pleito presidencial do ano seguinte, eu seria candidato. Era governador de um grande estado. Contava, para recomendar o meu nome, com uma enorme obra administrativa. E, sobretudo, sendo do PSD – o maior partido do país –, desfrutava de grande simpatia nos círculos trabalhistas.”
Embora a candidatura de Juscelino só fosse oficialmente lançada no dia 10 de fevereiro de 1955, em dezembro de 1954 ele já antecipava a sua campanha:
“Depois de uma visita a Diamantina e da instalação da sede do Comitê Nacional Interpartidário no Rio, julguei que já era tempo de dar início à campanha eleitoral. No dia 16 (de dezembro de 1954), segui para Vitória, começando pelo Espírito Santo o roteiro das visitas aos diretórios estaduais. O que tinha em vista – além de conhecer, com os próprios olhos, a realidade nacional – era despertar o sentimento cívico do eleitorado, inflamá-lo, eletrizar-lhe as bases e fazer com que elas, reagindo, influenciassem, com suas manifestações de apoio ao meu nome, a cúpula partidária.”
Contudo, apesar da proximidade da data de lançamento do Balneário e o início da campanha do JK – e toda uma possível preparação antes mesmo da morte trágica de Getúlio – não há nada na imprensa que ligue diretamente o então governador de Minas àquele empreendimento que se anunciava às margens da BR-3. A não ser a própria estrada.
Menos de três anos depois, entretanto, quando já era Presidente da República, Juscelino começaria a publicar uma série de decretos autorizando a pesquisa de minérios no Vetor Sul da Região Metropolitana de Belo Horizonte. As beneficiárias seriam empresas como a Mineração Hannaco Limitada³⁸ e a Companhia de Mineração Novalimense³⁹, ambas sucessoras diretas da Saint John Del Rey Mining Co.,¹⁰ antiga proprietária de terrenos lindeiros à rodovia.¹¹
Em um destes Decretos, o de nº 41.923, datado de 29 de Julho de 1957, JK concede autorização de pesquisa a um certo cidadão brasileiro chamado José Caetano Drumond, o patriarca da família Drumond. “Fica autorizado o cidadão brasileiro José Caetano Drumond a pesquisar minério de manganês e associados, em terrenos de propriedade da Construtora Alfa S. A. no lugar denominado Água Limpa, distrito e município de Nova Lima, Estado de Minas Gerais, numa área de cento e onze hectares e quarenta e oito ares (111,48 ha)…”⁴⁰
Esta seria, oficialmente e curiosamente, a única relação direta entre os sobrenomes Kubistchek e Drumond, muito embora seja clara a inspiração do Balneário de Água Limpa com a Pampulha imaginada por JK na década anterior – e mesmo com a cidade de Brasília, que seria construída quase que simultaneamente ao Clube Náutico Água Limpa e o primeiro Motel Clube Minas Gerais.
De toda forma, com possíveis informações privilegiadas e convencido de que Juscelino teria lançado o Balneário para financiar sua campanha à presidência, na virada do século o empreendedor Lauro Garcia começaria a investir todas as suas fichas naquela porção de terra marcada pelo vulto do Presidente Bossa Nova:
“Contrariando o apostolado dos investidores – que dizem para não botar todos os ovos na mesma cesta – comprei mais de 800 lotes no local e fundei a Lago Sul Incorporadora, a princípio Imobiliária Água Limpa – nome dado para servir de referência para os antigos proprietários. Apostei tudo: vendi ações, apartamento e carro para investir no negócio”.
Com uma cartada arriscada, o advogado assumia uma parcela significativa daquele “mais pitoresco recanto das alterosas”. E diria: “Posso afirmar, com segurança, que dificilmente se encontrará, em qualquer ramo de atividade, melhor oportunidade de negócio que adquirir imóveis no Bairro Balneário Água Limpa, a bola da vez da região metropolitana”.
As previsões do advogado se revelariam mesmo certas. Em poucos anos depois da entrevista, o Vetor Sul da Região Metropolitana de Belo Horizonte experimentava mesmo um colossal boom imobiliário. Contudo, não exatamente do jeito que ele esperava. Especialmente no seu adotado Balneário Água Limpa.
O Complexo do Alemão
O trabalho de Lauro para tentar estruturar o Balneário Água Limpa começaria logo após a entrevista entusiasmada que dera ao jornal O Tempo. No dia 5 de abril de 2011, pouco depois das seis da tarde, começava uma reunião pública ordinária na Câmara Municipal de Nova Lima. Presidida pelo vereador Nélio Aurélio de Souza e tendo Renato Faria Silva como Vice-Presidente, a mesa começou os trabalhos com o Secretário Luciano Vitor Gomes lendo as correspondências recebidas.
A primeira delas era do Sr. Lauro Alves Garcia, a qual trazia algumas reportagens recentes sobre o bairro: “Associação Comunitária dos Proprietários no Balneário Água Limpa, em fase de reorganização, aqui representada por seu fundador, Lauro Alves Garcia, vem expor:
- Reportagem do Nova Lima Times cobrindo pronunciamento de edis informou que o bairro Balneário Água Limpa está se transformando no Complexo do Alemão e já conta com alguns núcleos de favelamentos;
- Reportagens da TV Alterosa, acessáveis através do site Google no título “invasão e tiroteio em área de proteção na Serra da Moeda‟ informam a violência dos invasores;
- Além das áreas particulares, várias vias públicas do bairro, tanto na parte de Itabirito, quanto na de Nova Lima estão ocupadas por invasores. Algumas de Nova Lima, há mais de vinte anos, outras com vastas plantações de eucaliptos;
- Nas reportagens da TV Alterosa se vêem as ocupações nas datas correspondentes.
Pelos fatos expostos, o peticionário, em nome da Comunidade, requer a cada um de Vossas Excelências todas as providências cabíveis, inclusive instituição de Comissão Parlamentar de Inquérito para tomar radiografia da situação.”⁴¹
Conforme relatado na carta enviada por Lauro, naquele início de 2011 o Balneário Água Limpa voltava a aparecer na imprensa – só que agora quase que exclusivamente nas páginas policiais locais. Com o Clube Interpass (ex-Clube Náutico) já fechado e o Motel sem cumprir suas funções turísticas, de 2008 em diante seriam cada vez mais recorrentes os conflitos de terra no bairro, levando o Balneário a ser encarado como um possível novo “Complexo do Alemão”, em alusão pejorativa a um dos maiores aglomerados de favelas do Rio de Janeiro.
Sem uma resposta imediata da Câmara Municipal de Nova Lima, um ano depois Lauro Alves Garcia procuraria a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais. O jornal da casa noticiou: ”A Comissão de Direitos Humanos recebeu denúncia de representantes de moradores do Balneário Água Limpa, situado entre Nova Lima e Itabirito, sobre suposta ocupação irregular da área do empreendimento. O advogado que representa a associação dos proprietários, Lauro Garcia, disse que a região é vítima de invasões, que aconteceriam com a participação de policiais e pessoas ligadas à Prefeitura de Nova Lima. Os donos dos terrenos também estariam sendo ameaçados.”⁴²
Diante da exposição de Lauro, os deputados Paulo Lamac (PT), Rômulo Viegas (PSDB) e Adelmo Carneiro Leão (PT) “consideraram as denúncias graves e sugeriram a possibilidade de realização de audiência pública para debater o assunto.” Sem muitas delongas, em três semanas, no dia 4 de julho de 2012, o auditório da Assembleia Legislativa de Minas Gerais se preparava para receber os representantes do Balneário Água Limpa.
A Promotoria
Tão logo o relógio do auditório anunciou que eram nove horas da manhã do dia 4 de julho de 2012, o deputado Sargento Rodrigues, que presidia a audiência junto do deputado Paulo Lamac, anunciou que seu companheiro estava um pouco atrasado. O clima de ansiedade era quebrado pela presença de um grupo de alunos da oitava série do Colégio Sagrado Coração de Jesus, que ainda se ajeitavam nas cadeiras.
Ao lado do Deputado Sargento Rodrigues já estavam sentadas a Promotora de Justiça da Comarca de Itabirito, Dra. Cláudia de Oliveira Ignez; a Promotora de Justiça da Comarca de Nova Lima, Dra. Manuela Xavier Lages Faria; o Delegado Regional de Polícia Civil de Nova Lima, Fernando José de Morais; o Delegado Geral de Polícia da Superintendência de Investigação e Polícia Judiciária, Anderson Alcântara Silva Melo; e o Ouvidor Ambiental Eduardo Machado de Faria Tavares.
Era sentida a ausência de outros convidados, que também tiveram suas respectivas cadeiras reservadas, em especial a do Prefeito de Nova Lima, Carlos Roberto Rodrigues e a do Prefeito de Itabirito, Manoel da Mota Neto. Nenhum dos dois mandaram representantes. Também estavam ausentes o Delegado da Polícia Civil de Itabirito e Lauro Alves Garcia, advogado da Associação dos Proprietários do Balneário de Água Limpa, que foram os solicitantes da audiência.
Entretanto, assim que o Deputado Paulo Lamac chegou e começou a apresentar a pauta do encontro, o Presidente da Associação Túlio Dolabela Viana se aproximou e foi convidado a se juntar à mesa.
“Esta reunião tem a finalidade de realizar audiência pública, com participação de convidados, para colher informações e discutir a situação que se encontra o Balneário Água Limpa, nos Municípios de Nova Lima e Itabirito, que estaria sendo alvo de ocupações ou grilagens de terrenos e de mineração clandestina, em prejuízo dos moradores e proprietários locais, apreciar matéria constante da pauta e discutir e votar proposições da Comissão”, proclamou Paulo Lamac, abrindo os trabalhos.⁴³
Túlio Dolabela foi convidado a contextualizar toda a situação e abriu fazendo coro à versão histórica levantada pelo advogado Lauro Alves Garcia: “Esse balneário foi lançado em 1953, para arrecadar fundos e ajudar na campanha de Juscelino Kubistchek. Inicialmente pensamos que tal balneário, loteado e lançado em 1953, numa área que é bela e para onde Belo Horizonte está caminhando, deveria estar habitado, e bem habitado. Mas, ao contrário, está deserto, tem poucas casas que são habitadas por invasores oriundos de grupos com interesses escusos, como grilagem de terra e outros lá dentro”.
E seguiu: “Agora lá também está havendo ameaças, uso de armas, intimidação física e tudo mais, o que é inadmissível nos tempos de hoje. Nós proprietários já levamos esse problema para várias autoridades e estamos apelando a todas as instâncias, a fim de que o Balneário Água Limpa, que tem área e lagoas maravilhosas, seja habitado por pessoas de bem. Porém, o poder público não consegue fazer frente ao avanço da marginalização dentro do balneário”.
“Agora lá também está havendo ameaças, uso de armas, intimidação física e tudo mais, o que é inadmissível nos tempos de hoje. Nós proprietários já levamos esse problema para várias autoridades e estamos apelando a todas as instâncias, a fim de que o Balneário Água Limpa, que tem área e lagoas maravilhosas, seja habitado por pessoas de bem.
Depois de uma breve apresentação de Túlio, a Promotora de Nova Lima Manuela Xavier Lages Faria tomou a fala prometendo uma abordagem técnica, “para que os senhores possam realmente ter ciência do atual contexto jurídico que envolve o balneário”. “Nos idos dos anos 1953, o loteamento Balneário Água Limpa foi aprovado pelo Município de Nova Lima, em razão do empreendimento da Construtora Alfa. Ocorre que, apesar de aprovado, ele não foi implementado.”
“Muitos anos depois, em 1998, a Construtora Alfa, ré na ação civil pública, vendeu parte desse loteamento, aprovado há anos, para a MRZ Empreendimentos Ltda., que adquiriu 400 lotes; deu nome fantasia de “Condomínio Ville des Lacs”; realizou algumas obras de infraestrutura em desacordo com o projeto que havia sido inicialmente aprovado; e passou a vender lotes nesse ‘condomínio’ – entre aspas -, porque ele é irregular”.
Em paralelo, para além dos muros do residencial privado criado dentro do Balneário, a Promotora aponta: “Ao lado dessa comercialização irregular, em face da ausência do Estado, começou também, paralelamente, uma ocupação irregular de lotes por grileiros, pessoas que querem aproveitar essa situação de anarquia e levar vantagem indevidamente.”
Manuela elucida a razão jurídica pela qual teria falhado aquele sonho originário e imaginário do mais pitoresco recanto das alterosas: “Qual é o papel do município? Essa construtora e esse empreendimento comercializaram irregularmente esse loteamento. O poder público, no exercício do seu poder de polícia, tinha obrigação de acompanhar a execução desse loteamento inicialmente aprovado, mas houve omissão da parte dos Municípios de Nova Lima e de Itabirito”.
Frente a essa omissão, a Promotora destaca uma série de medidas liminares deferidas pela Promotoria Pública de Nova Lima, proibindo a venda e anúncio de lotes na região, até que a situação pudesse ser regularizada. E encerra dizendo: “Lamento profundamente a ausência dos Municípios, em especial do Município de Nova Lima, que é o principal interessado e responsável pela execução dessas medidas. Entretanto, se o Município não fizer voluntariamente, podemos obrigá-lo a executar essa decisão judicial pendente”.
Acalorada por palmas, as palavras de Promotora Manuela Xavier Lages Faria são seguidas pela Promotora de Itabirito, Cláudia de Oliveira Ignez: “Desde 1950, conforme a Manuela já disse, existe um projeto aprovado para um balneário ou para um loteamento. Proprietários de boa-fé, pagantes de impostos, pessoas de bem que se dispuseram de economias – conheço pessoalmente um casal nessa situação -, fruto de empenho de uma vida inteira, para conseguirem o que todo mundo quer, o sonho de uma vida, que é a casa própria.”
“Ao lado dessas pessoas, existem os oportunistas de praxe, os estelionatários do poder público, dentro e fora da esfera governamental. Não posso deixar de falar da displicência do poder público da cidade na qual atuo, que, durante pelo menos 62 anos, está assistindo a esse espetáculo sem nada fazer. Não posso me eximir de dizer isso aquI”.
Lamentando a ausência das Prefeituras na audiência e destacando os agravantes ambientais de uma ocupação desordenada, a Promotora também se colocou à disposição para atuar no caso com mais incisividade: “De coração, essa manhã é muito preciosa porque essa questão me cala muito fundo. Vejo muita gente sofrida no meio dessa questão de habitação e muitos causando sofrimento aos outros para enriquecer e sem sentir uma gota de remorso. Isso é crime duas vezes”.⁴³
O Balneário Fantasma
Entre constatações e lamentações a audiência seguiu sem grandes revelações, até a tomada de microfone pelo senhor Walter Veloso Murta. O proprietário de lote no Balneário e corretor de imóveis “desde 1978” começou anunciando: “Tenho uma notícia para dar para vocês”.
“Há muito anos, peguei do Lauro Garcia lotes para vender lá. Mandei, então, fazer um perímetro urbano para saber se o loteamento, se a planta cabia onde estavam os lotes. Hoje temos muitos problemas de divisa. Se você pegar a planta, verá que ela não cabe ali dentro. Fizemos um estudo com o engenheiro Osvaldo Alvim, e ele disse que não cabia lá dentro. Então, não mexi lá. Contudo, ainda ficaram lá uns 35 lotes nossos. Hoje tenho lotes lá, onde estão abrindo rua. Há topógrafos da Prefeitura, há pessoas da Prefeitura ajudando, há vereadores no meio e polícia.”
“Quando invadem meu lote, vou lá às 3 horas da manhã, porque não tem ninguém lá. A invasão é profissional. Eles não estão lá de madrugada. Agora, venderão lotes para pessoas de fora. As pessoas que os comprarem são inocentes e boas. Vão comprar lotes por R$2.000,00 ou R$3.000,00. Venderam a área verde da quadra 114, no fundo de uma casa nossa que tem piscina. Venderam uma área verde por R$2.000,00. Eu dava R$30.000,00 no lote ao lado.”
Assim como seu colega Lauro, que profetizava um “boom imobiliário” na região, Walter também deixou seu palpite: “Se não fizermos nada agora, daqui a um tempo não conseguiremos fazer nada, porque haverá três mil pessoas inocentes morando no local. Vai virar uma favela como outras de Belo Horizonte”.
Para fechar a intervenção cheia de previsões e revelações, Walter aproveitou o microfone para dizer: “Há outra coisa que vocês não sabem, lá é um loteamento fantasma. Quando foi vendido, Belo Horizonte não existia, foi uma venda política. Venderam no Rio, em São Paulo, pelo Brasil inteiro. A Construtora Alfa quebrou de propósito, e não dá escritura para ninguém. Se a pessoa quer escritura, tem que entrar na Justiça e pedir usucapião, todos sabem disso.”⁴³
“Há outra coisa que vocês não sabem, lá é um loteamento fantasma. Quando foi vendido, Belo Horizonte não existia, foi uma venda política. Venderam no Rio, em São Paulo, pelo Brasil inteiro.
“Temos que tomar providência agora enquanto não há nada de grave acontecendo no local. Eu tenho medo de Polícia, porque já fui ameaçado por policiais lá. O Lauro Garcia não está presente, porque acredito que ele tem medo, ele foi corrido de lá, porque queriam matá-lo. Sou testemunha disso.” “Confio nas promotoras que estão aqui. Não digo que não confio na Polícia, mas tive medo do policial que mostrou a carteira e uma arma na cintura”.
Mais palmas.
O Meia Pedra
Ainda com o estrondo forte que ouviram durante a madrugada ecoando nas cabeças, os moradores da Flor de Liz seguiram avançando pelos poucos metros que separavam a rua do quarto de Minha Pedra. Ao chegarem na porta, encontraram justamente o que temiam. Com um único tiro certeiro na cabeça, o baiano de 55 anos estava liquidado em sua cama, naquele início de manhã de nove de setembro de 2018.
Sílvio Jesus da Silva se juntava a uma silenciosa e agonizante estatística local. Testemunhas relataram que ele teria se envolvido em brigas em bares na semana anterior. Mas segundo informações da 1ª Companhia Independente da Polícia Militar, Minha Pedra não tinha passagem na polícia por tráfico de drogas e nem por outros crimes. Foi enterrado sem que alguém fosse preso ou que a motivação fosse oficialmente esclarecida.¹
Só entre 2010 e 2012, ano da audiência pública na Assembleia Legislativa, o Delegado Fernando José de Morais havia levantado 110 ocorrências que envolviam “esbulhos, ameaças e danos”, sem contar as ocorrências com o meio ambiente. Fernando aponta que as invasões começaram a partir de 2007, 2008 e se intensificaram em 2009 e 2010. “Houve notícias de que poderiam ser instaladas ali grandes empresas e o empreendimento de um condomínio semelhante ao Alphaville. Então, como dito, começaram a ocorrer as invasões”⁴³
Àquela altura, já estava em negociação e andamento a construção da uma imensa fábrica da Coca-Cola FEMSA, que além de ser questionada pelo impacto causado às nascentes da Serra da Moeda, também acabaria alimentando a ocupação desordenada do bairro.
Três meses antes do assassinato do baiano Sílvio Jesus, a notícia que corria no Balneário era que o empreendimento da Coca-Cola FEMSA, batizado de “Fábrica da Felicidade”, estava secando nascentes da região. A informação era do biólogo Francisco Mourão, da Associação Mineira de Defesa do Meio Ambiente (AMDA), que constatou “uma redução significativa na vazão das nascentes em toda a região”. Diante da denúncia publicada em reportagem do jornalista Fábio Corrêa no canal de notícias Deutsche Welle, veiculada também no G1, a empresa respondeu que tinha todas as licenças para operar.⁴⁴
Na manhã que os vizinhos encontraram o baiano, o Balneário voltava a ganhar os jornais. Mas, mais uma vez, como já estava se tornando comum, longe dos anúncios entusiasmados e sem grande destaque. Mais um rodapé da página policial.
A Água Limpa
O clima da audiência de 2012 não estava muito para saudosas recordações, mas nem por isso o senhor Ademar Xavier Pereira deixou de fazê-las. E foi a fala dele, breve, que revelou algo da genuína magia do Balneário: “Fui atraído para Água Limpa porque fazíamos muito pique-nique naquele lugar lindo quando éramos jovens. Pensava em comprar um terreno quando me aposentasse, e alguém me ofereceu um logo ali. Fui de boa fé”.⁴³
Aqui se vão quase setenta anos desde os primeiros anúncios do fantasioso Balneário Água Limpa e, hoje, mais de cinco mil pessoas tentam habitar com dignidade o mais pitoresco recanto das alterosas. No começo de 2020 os moradores receberam a informação de que um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) assinado em 2018 pelo Ministério Público de Minas Gerais, por meio das promotorias de Nova Lima e Itabirito, estava pronto para começar a ser implementado.⁴⁵
Com a promessa de ser um amplo e inédito projeto de regularização fundiária, reordenamento territorial e saneamento ambiental, a notícia gerou uma mistura de alívio e desconfiança em toda a comunidade⁴⁶. Em paralelo, a poucos metros dali, um novo empreendimento vem se anunciando, “O maior projeto de desenvolvimento sustentável da América Latina”⁴⁷. Praticamente uma nova cidade situada nas imediações de Água Limpa e da Lagoa dos Ingleses.
Em uma história forjada por tantos nomes importantes, políticos, empreendedores e aeronaves, um detalhe acabou se perdendo, que é a razão da Construtora Alfa ter inaugurado sua jornada justamente neste território que segue sendo altamente cobiçado pelo mercado imobiliário mineiro, ainda em contínua expansão para as cidades de Nova Lima, Itabirito e Brumadinho.
Rodeado de nascentes e com a moldura da Grande Serra da qual ouvira falar o viajante inglês Richard Burton nos anos 1860, aquele pareceria mesmo um lugar perfeito para a criação de um Balneário imaginário. Acontece que, além de sua beleza natural, cultural e histórica, o Sinclinal Moeda se revela como uma verdadeira caixa d’água da Região Metropolitana de Belo Horizonte, com centenas de torneiras abertas tanto para o Rio das Velhas como para o Rio Paraopeba, onde são captadas 100% das águas que abastecem a capital mineira. Com os impactos que vem sofrendo e se anunciando nas últimas décadas, este rico manancial está correndo perigo.⁴⁸
Seu Ademar, engenheiro do próprio quintal, que o diga: “Comecei a construir procurando preservar o lugar, pois a fauna era muito bonita e tudo lá era lindo. Havia nascentes, podíamos beber água na mão, mas, com o tempo, foram poluindo o lugar. As pessoas vão parando e não têm o esclarecimento. Tentamos falar, mas poluíram tudo, acabaram com o meio ambiente. Apesar daquela terra não ser boa, que é de minério, a minha plantação está bonita. Só colaborei com o meio ambiente”.
Acumulando as marcas, arquiteturas e cicatrizes do tempo, o Clube Náutico Água Limpa e o primeiro Motel Clube Minas Gerais seguem em pé como testemunhas silenciosas de uma história repleta de fantasias. E no meio tantas fabricações e narrativas, o mais curioso é lembrar de uma das primeiras peças publicitárias feitas pela Construtora Alfa, ainda em 1954, quando começava a espalhar este sonho americano às margens de Belo Horizonte. Com a lagoa de fundo, a imagem perguntava: “Você inverteria dinheiro em água pura?”⁴⁹ Feito um prenúncio, estava lançada uma das mais latentes perguntas que seguem ondulando no rumo da antiga BR-3.
Há um sonho
Viagem multicolorida
Às vezes ponto de partida
Às vezes porto de um talvez
E a gente corre (a gente corre)
Na BR-3 (na BR-3)
E a gente morre (e a gente morre)
Na BR-3 (na BR-3)
Há um crime
No longo asfalto dessa estrada
E uma notícia fabricada
Pro novo herói de cada mês
E a gente corre (a gente corre)
Na BR-3 (na BR-3)
E a gente morre (e a gente morre)
Na BR-3 (na BR-3)
Tony Tornado e o Trio Ternura (1971)⁵⁰