Tão logo amanheceu a quinta-feira do dia 27 de maio de 1948, o jovem Tibor Zoltan Jablonszky, com quase 24 anos de vida até aqui, pôde ver a Baía de Guanabara se formando diante da proa do transatlântico que havia servido como sua casa nas últimas semanas. Inebriado com a imagem daquela cidade costeira que se tornava cada vez mais nítida, mal podia acreditar que agora teria uma terra firme para pousar os pés no chão. Para trás do casco do navio, onde agora o cais já podia ler o letreiro Carina, o Oceano guardava a desventura de uma fuga que havia começado ha dois anos.
Era ao menos o que sugeria o seu passaporte, concedido pela polícia de Budapeste no dia 5 de Julho de 1946. Antes de avistar o Brasil, o húngaro teria passado pela Áustria, Alemanha, Tchecoeslováquia, Dinamarca e Suécia. “No cenário pós-Segunda Guerra Mundial, a migração internacional readquirira importância para a Europa”, destaca Vera Lucia Cortes Abrantes, pesquisadora do Centro de Documentação e Disseminação de Informações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Vera realizou uma dissertação sobre o arquivo fotográfico do Instituto, com enfoque no olhar de Tibor sobre o trabalho feminino.
“Nesse período, grupos de profissionais liberais e técnicos especializados migraram para o Brasil, procedentes das principais cidades da Hungria. Essa leva de húngaros deixou o seu país supostamente por motivos ideológicos, muitos certamente devido à estatização dos meios de produção e ao fim das grandes propriedades. Portanto, um bom número desses emigrantes pertencia à camada mais abastada da sociedade”, complementa Vera.
Técnico de filmes e diretor na Companhia de Cinema da Hungria, Tibor era filho de Jozsef Jablonszky, funcionário da Real Polícia do Estado Húngaro. Segundo o depoimento de uma conhecida, Eva Menezes de Magalhães, entrevistada por Vera em 2008: “ Assim ele me contou na época: o pai dele tinha um cargo no governo e, quando soube que a Hungria ia ser invadida, deu fuga ao filho.”
Tibor chegou no Brasil na companhia de outros dois conterrâneos, Stivan Faludi e Tomas Somlo. Os três logo seriam contratados como os primeiros fotógrafos profissionais do IBGE, na virada da década de 1940 para 1950 – e ficariam responsáveis por acompanhar e registrar o trabalho de geógrafos brasileiros que percorriam o território nacional documentando a vida no campo e nas cidades.
“Tibor Jablonszky, Tomas Somlo e Stivan Faludi foram atores importantes na construção da memória institucional do IBGE, posto que, além de excelentes profissionais com experiência adquirida na Hungria, deixaram como legado um acervo precioso” aponta Vera. Entre 1952 e 1968 Tibor produziu 9.254 imagens para o arquivo fotográfico do Instituto.
“Bate isso aqui pra mim”
Poucas são as informações sobre Tibor Jablonszky depois que chegou no Brasil e entrou para o IBGE. Contudo, o extenso material que produziu para o Instituto oferece um sugestivo itinerário de suas tantas andanças pelo país, sempre acompanhando os trabalhos geográficos de campo.
A conhecida Eva detalha para Vera Abrantes como era o trabalho do húngaro: “o Jablonszky ia sempre orientado pelo geógrafo, ele podia bater alguma coisa por conta dele, mas ele era sempre orientado. ‘Jablonszky bate isso aqui pra mim’”. Cumprindo um objetivo técnico com um dispositivo tão subjetivo como a fotografia, é de se considerar que muitas imagens tenham deixado escapar traços de personalidade de seu autor.
Tibor Jablonszky e a Serra do Curral
Ao que os arquivos indicam, Tibor esteve em Belo Horizonte em pelo menos duas ocasiões – 1954 e 1958 – além de ter registrado a cidade do alto em três outros anos, 1953, 1955 e 1956. Todas as vezes em que o húngaro pisou os pés na cidade, ele visitou a Serra do Curral.
Em 1954, o fotógrafo acompanhava o geógrafo Alfredo José Porto Domingues em expedições pela porção leste da Serra e também pela Região da Pampulha. Os registros são de uma cidade em franco desenvolvimento urbano, mas ainda marcada pela ruralidade.
Em 1958 voltou para acompanhar o geógrafo Antonio Teixeira Guerra em visitas à nova Usina Siderúrgica Manesmann, na Região do Barreiro, e também esteve presente na documentação do novo Colégio Estadual de Minas Gerais, no bairro de Lourdes, mais uma obra de Niemeyer para Belo Horizonte.
Entre 1952 e 1968 o húngaro também esteve na cidade em companhia da geógrafa Maria Rita Guimarães, com quem produziu uma série de registros históricos de uma Serra do Curral inteiramente entrecortada por caminhos da mineração.
Tibor Jablonszky viveu até 1980, deixando como memória este vasto material de um país em eterna construção, especialmente a Belo Horizonte pós Juscelino Kubitscheck, marcada pela vontade em se assumir como uma capital moderna e arquitetada pelas curvas da natureza.