Corria a primavera de 1977 quando uma “expedição organizada às pressas” encontrou uma ruína quadrangular de volumosas dimensões na sombra da Serra da Calçada, divisa entre os territórios de Brumadinho e Nova Lima, a pouco mais de cinco quilômetros ao sul do “bairro fechado” Retiro das Pedras, antes conhecido por Retiro do Moisés. Com impressionantes 50x40m de comprimento e muralhas externas de quase quatro metros de altura, a construção também chamava atenção por ter uma única porta, a qual revelava um ambiente interno ocupado por outra casa menor, esta com duas portas e seis janelas laterais. Devido à espessura das paredes, formada por pedras maciças de até 1,50m de comprimento, a expedição logo batizou o achado de “Forte de Brumadinho”.
Nas semanas seguintes, o jornal Diário da Tarde espalharia a notícia em uma grande reportagem dividida em três capítulos. “De repente o encontro de um forte, em meio às colinas, movimenta uma cidade e pode mudar a história de Minas Gerais. Duzentos, trezentos ou mais anos atrás. A data? Só especialistas poderiam estabelecer”. Recheada de detalhes e mistérios, as palavras do jornalista José Carlos Alexandre buscavam reverberar no imaginário popular as potencialidades históricas daquele descobrimento.
Esta também era a expectativa do professor Cândido Amabis Neto, então prefeito de Brumadinho, que declarou a intenção de realizar um concurso nacional doando 30 mil cruzeiros em prêmio a quem descobrisse as “raízes históricas” do Forte. Havia uma expectativa clara de que aquele sítio histórico pudesse alavancar o turismo no município, que já se via dominado pelo avanço da mineração.
Cinco anos depois, em 1982, Cândido convidaria os professores Décio de Lima Jardim e Márcio Cunha para escreverem o livro Histórias e Riquezas do Município de Brumadinho, que teve introdução do prefeito. Após resgatarem a formação do povoado, originado da emblemática expedição do bandeirante paulista Fernão Dias Paes Leme pelo vale do Rio Paraopeba, no final do século XVII, os autores seguem apresentando outras histórias da região. A primeira delas trata da “casa de fundição de moedas falsas”.
Notícias Históricas
Décio e Márcio retomam as questões surgidas na ocasião do descobrimento do Forte, cinco anos antes da publicação do livro. “Não há nenhuma inscrição nas suas paredes, que permitissem identificar a data da construção. Mas, o lugar, sendo ermo, sugeriu uma série de hipóteses, entre as quais a do forte de tropas militares sobressaiu-se. Essa construção é, inclusive, identificada nos mapas cartográficos mais modernos sendo uma antiga senzala”.
Esta primeira hipótese levantada, de que as ruínas teriam sido um equipamento militar, foi logo descartada. Os professores chamam atenção para o fato de a construção estar escondida na encosta da Serra da Calçada, de forma que, quem viesse pelo vale, não a poderia avistar. “Não poderia ser um forte militar, pois uma fortaleza tem finalidade de representar a lei e ficaria, logicamente, em lugar visível, no alto da serra”.
Também descartam a possibilidade de ser um alojamento de escravos. “Não poderia ser uma senzala, pois, por quê, alguém faria uma naquela altura e daquele tamanho? Se houvesse motivo para se construir ali uma senzala, haveria necessidade de serem construídas as instalações dos senhores dos escravos”.
Por fim também descartam as sugestões de que teria sido um quilombo ou curral. “O terreno não se presta a plantações de gêneros alimentícios e, sobretudo, a construção em linhas retas revela conhecimento de cálculos matemáticos, fora de alcance dos escravos. A possibilidade de terem sido um curral também está fora de cogitação, pois o acesso é difícil e não há água no alto do morro; além de que teria sido um curral excepcional, devido à altura de suas paredes”.
Diante das avaliações, os autores apontam que encontraram as “explicações definitivas” para o mistério do Forte no livro Notícias Históricas, publicado em 1954 pelo jornalista Augusto de Lima Junior, filho do político Antônio Augusto de Lima, que governou Minas Gerais no ano de 1891.
A Casa de Fundição de Moedas Falsas
Notícias Históricas reúne uma série de fatos curiosos sobre a formação do Brasil que seguimos conhecendo hoje. “O interesse que vão despertando entre nós os estudos históricos, constitui um sinal de que o Brasil procura formar uma consciência nacional, nascidas das próprias tradições, ricas, aliás, de uma experiência secular que nos pode orientar com mais segurança em nossos destinos”, prefacia Augusto de Lima.
Em um dos capítulos, intitulado como “Barras de ouro e moedas falsas”, o jornalista relata a história de uma fazenda com fundição clandestina que teria funcionado na “Serra do Paraopeba”, cujo nome se dava “por lhe seguir as curvas, o curso desse caudaloso rio”. “Situada essa fazenda entre matas primitivas, a meia encosta de uma serrania de difícil acesso”, “durante três anos funcionou pacificamente”, até que foi alvo de uma delação premiada muito parecida com as que se tornaram recorrentes no Brasil contemporâneo. Augusto de Lima encontrou no Arquivo Público Mineiro uma cópia do processo contra os falsificadores, que permitiu uma reconstrução minuciosa deste episódio histórico.
Nas primeiras décadas do século XVIII a falsificação se relava um problema grave para D. João V, em Portugal. Luís Vaia Monteiro, então governador do Rio de Janeiro, conseguiu então uma autorização para “perseguir implacavelmente os falsificadores de barras de ouro de moeda, instalados nas Casas de Fundição, e em sítios de particulares nos arredores do Rio de Janeiro”. A audácia destes falsificadores “atingira limites tais que nos anos de 1729-1730 quase nada se arrecadara dos Reais Quintos, sendo entretanto vultosos os embarques de ouro particular para Lisboa.”
Com o cerco se fechando nas proximidades do Rio de Janeiro, estes falsários precisaram operar longe do litoral. E assim se encontrava em Ouro Preto o português Inácio de Souza Ferreira, “antigo Capitão de Nau da Índia, aventureiro de alto coturno, homem de cultura e inteligência, dotado de capacidade de comando”.
Inácio tinha como sócio Francisco Borges de Carvalho, tio de Caetano Borges, que estava estabelecido em uma fazenda na serra do Paraopeba, “mais ou menos próximo de um povoado antigo de nome Boa Vista”. Usando de cunhos legítimos, furtados das Casas de Fundição e dados como inutilizados, Inácio montaria nesta fazenda um sistema complexo de falsificação de moedas e rígido controle de seus subordinados.
O controle era tamanho que existia dentro das instalações uma série de regras, as quais todos deveriam respeitar sob penas cruéis. Dentre as privações estava a proibição de vinho, aguardente e de jogos, “porque deles se seguem disputas e liberdades e delas desconfianças”.
Tudo corria dentro de possíveis conformes, até que em um dado dia Caetano Borges de Carvalho, sobrinho de Francisco, apareceu morto, aparentemente à mando de Ignácio, “cuja insolência atingira o auge”. Este episódio foi o limite do aceitável por Francisco, que decidiu então delatar as operações da fazenda. Com a delação ele poderia aproveitar da “graça Real”, que era dada à quem denunciasse esquemas de falsificações.
A delação, contudo, não poderia ser feita em Vila Rica, porque Francisco “sabia bem que a espionagem de Inácio Ferreira tinha como chefe o próprio secretário do Governador Dom Lourenço”. E, portanto, armou um plano para conseguir deixar a fazenda e seguir até Sabará, onde trabalhava o magistrado Doutor Diogo Cotrim de Souza, que integrava um grupo de ouvidores e corregedores de comarcas que se dedicavam “contra os descaminhares de ouro”.
Foi a partir desta delação que no dia 8 de Março de 1731 teve início à tomada da fazenda do Paraopeba. Acampados nas proximidades do terreno, cem homens do Dr. Diogo Cotrim passaram a verificar se haveria guardas espalhados pela paisagem. Assim que anoiteceu, levantaram o acampamento e começaram a descer pela Serra, enquanto o céu se iluminava de relâmpagos e ameaças de uma tormenta.
Tão logo amanheceu já estavam diante de uma porteira sem cadeados, “obra de Francisco Borges” e, por ali passando, “correram todos até a senzala dos negros, ocupando-a e desarmando os que ali estavam”. Ao mesmo tempo, ouvindo a invasão tomando a fazenda, “os culpados trataram de arrancar as peças de fabrico de moedas dos seus lugares, enterrando-as no mato e carregando outras para baixo, atiradas ao açude de onde depois foram retiradas pelo dr. Diogo de Souza”.
O processo indica que foram encontradas “nove barras de ouro e algumas peças leves de serviço”. Em outro local próximo da casa de fundição, foram encontradas também “um embrulho com moedas recentemente fundidas”, além de “cinco barras de ouro sem polimento”, debaixo do assoalho de uma das casas.
Francisco Borges e seu outro sobrinho que ajudou na denúncia não só sobreviveram, como “foram perdoados e tiveram sua propriedade isenta de sequestro”. Já Inácio foi encontrado atrás do altár-mor da capela da fazenda, “de onde foi retirado pelo próprio Ouvidor Diogo de Souza Cotrim, sem fazer usos de armas nem manifestar a menor resistência”.
Inácio e outros presos foram enviados ao Rio de Janeiro, de onde seguiram para Lisboa. Nas palavras de Augusto de Lima, “nada se sabe sobre seus processos”, “mas a verdade é que dois anos depois estavam em liberdade, tendo muitos deles regressado às Minas Gerais”. Já as instalações da Fazenda de Boa Vista do Paraopeba teriam sido todas destruídas.
Ou quase todas destruídas. Segundo versão defendida pelos professores Décio e Márcio, uma das poucas reminiscências deste episódio seriam as ruínas do dito Forte, que foram avistadas em 1977 pela expedição de Amabis. “Por ser de porte muito sólido não pôde ser destruída”, argumentam os autores. E celebram o fato de hoje podermos “contemplar” esta história “no alto da Serra da Moeda”.
A expedição de John Van Nostrand Dorr II
Acontece que Décio, Márcio e até mesmo os membros da expedição de 1977 não seriam os primeiros a contemplar aquelas ruínas históricas, que sugeriam estar abandonadas ha pelo menos dois séculos. Um mapa da Comissão Geográfica e Geológica de Minas Gerais, datado de 1932, já demonstra o conhecimento de uma “Casa de Pedra” nas proximidades da já batizada “Serra da Calçada ou Tutaméa”.
Três décadas depois, nos idos dos anos 1960, a “Casa de Pedra” voltaria a aparecer não só em outro mapa, como seria revelada em forma de fotografia por meio de um norte-americano sorridente, confidencial e atencioso, natural da cidade de Nova York.
John Van Nostrand Dorr II nasceu em 1910 e, seis anos depois, já tinha aprendido a velejar nas águas de Long Island. Vindo de uma família influente, seu pai advogado chegou a ser conselheiro do presidente americano Thomas Woodrow Wilson. Foi com o pai que o garoto John tomou gosto pela vida ao ar livre, que além do veleiro incluía caminhadas e caçadas por florestas americanas.
Depois de se formar em Literatura Inglesa na Universidade de Harvard, John Van N. Dorr II acabou descobrindo a Geologia. E foi essa formação que lhe trouxe pela primeira vez ao Brasil, em 1941, quando veio estudar as reservas de manganês e ferro do Morro do Urucum, no então estado do Mato Grosso. A participação dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial se revelava cada vez mais iminente – e uma de suas grandes fornecedoras de manganês (Mina do Morro, em Conselheiro Lafaiete), usado na indústria bélica, já dava sinais de esgotamento.
Dorr acabou voltando em 1946, desta vez com a missão de coordenar um amplo mapeamento geológico do que logo viria a ser conhecido mundialmente como “Quadrilátero Ferrífero”. Esta porção quadrangular da região central do estado de Minas Gerais já vinha sendo motivo de interesse e estudo por geólogos brasileiros há algumas décadas, dada seu extenso volume e qualidade de jazidas de ferro.
A missão era um programa de cooperação técnica do Departamento Nacional de Produção Mineral com o United States Geological Survey – e envolvia uma equipe de variados profissionais, topógrafos e 17 geólogos, a maioria dos Estados Unidos. John não só dirigia o mapeamento, como também cuidava para que todos os colegas e suas famílias fossem bem acolhidos e instalados na cidade de Belo Horizonte.
Entre 1947 e 1962 John e sua equipe fariam centenas de expedições por toda a extensão do quadrilátero, tomando notas e materiais para serem estudados. Em 1969 o geólogo publicou Physiographic, Stratigraphic and Structural Development of the Quadrilatero Ferrifero, uma espécie de bíblia que não só selou enfim o nome da região (recombinando termos que já haviam sido escritos por pesquisadores brasileiros), como também marcou uma era de exploração de ferro que se aceleraria a partir daquela década.
Foi neste livro, feito um detalhe, que apareceu a primeira fotografia do Forte de Brumadinho que se tem notícia. Na legenda, Dorr destacou, “Paralelepípedos no conglomerado basal da Formação Moeda próximo a N. 1,000, E. 500, quadrângulo de Macacos. O forte colonial ao fundo foi construído para proteger a mina de ouro no conglomerado basal.”
E nada mais. Mergulhado em análises profundamente técnicas, a publicação seguiu adiante na investigação dos diferentes materiais encontrados na “Moeda Formation”. Porém estavam escritas ali, quase dez anos antes da expedição de 1977 chegar à Serra da Calçada, as três pistas mais claras de qual teria sido exatamente a função daquela ruína. Moeda. Forte Colonial. E… Mina de Ouro.
A ruína de 30mil cruzeiros
Por volta de 1977 John Van N. Dorr II estava velejando entre o Maine, a Flórida e as Bahamas, aproveitando a aposentadoria recente nas águas cristalinas do Caribe. Chegou a manter uma ligação com o Brasil como geólogo consultor, mas é possível que tenha perdido a reportagem do Diário da Tarde que trazia o tal descobrimento do Forte e a notícia de que o prefeito de Brumadinho estava disposto à oferecer um significativo prêmio para quem explicasse suas “raízes históricas”.
Ao que parece, com o lançamento de Histórias e Riquezas do Município de Brumadinho, em 1982, a versão que acabou reverberando foi a que encontrava as “explicações definitivas” para as ruínas no crime relatado por Augusto de Lima Júnior. Isso quando não continuou se resumindo como “Forte”, nas palavras e sensações de outros tantos aventureiros e ciclistas que passariam a ver e visitar a construção à partir dos anos 1980.
Contudo, a legenda de Dorr já destacavam três elementos claros para entender as reais origens da construção. A primeira delas está no fato do geólogo já conhecer a Serra do Paraopeba como Serra da Moeda em 1969, quando seu livro foi publicado. Isso demonstra que oito anos antes da expedição de 1977 – e 13 anos antes dos professores de Brumadinho relacionarem as ruínas com a pesquisa de Augusto de Lima – aquela cadeia montanhosa do “caudaloso rio” Paraopeba já carregava em si a fama de seus audaciosos contraventores.
E isso não era nenhuma novidade, na verdade. Antes mesmo da “Serra da Moeda” aparecer no mapa de 1932 da Comissão Geológica e Geográfica de Minas Gerais, outro importante nome da história brasileira, o jornalista José Pedro Xavier da Veiga, publicou em 1897 seu emblemático livro Epheméridades Mineiras; 1664-1897, onde já relacionava esta alcunha ao fato da história da fábrica clandestina ser de conhecimento popular na região. Porém, o autor localiza a fábrica no povoado de São Caetano.
E, de fato, existe em São Caetano (também conhecido por “Moeda Velha”) um conjunto de ruínas muito mais sugestivas para o grande complexo de falsificações descrito por Augusto de Lima em Narrativas Históricas. Não só existem como vêm sendo estudadas por pesquisadores e historiadores há décadas, resultando em diversos trabalhos acadêmicos que apontam com clareza técnica que funcionaram ali as instalações de Inácio de Souza Ferreira.
Os próprios Décio Lima Jardim e Márcio Cunha Jardim admitem conhecer a constatação de José Pedro Xavier da Veiga mas, conforme escreveram em 1982: “É difícil resistir à conclusão de que (a casa de pedra) foi propositalmente escondida ali”. “E, nesse caso, só poderia ter fins ilegais”.
Mina de Ouro
As outras pistas – ou constatações – deixadas por John Dorr estão nas palavras seguintes escritas na legenda: “O forte colonial ao fundo foi construído para proteger a mina de ouro no conglomerado basal”. Mais objetivo que isso, só desenhando. E foi o que começou a fazer o Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (IEPHA-MG) em 1985, “com o mapeamento dos sítios arqueológicos ali presentes”. As pesquisas seguiram até 2007, quando “foi iniciado o Estudo de Avaliação para Tombamento do referido conjunto, a partir de recomendações do Ministério Público de Minas Gerais”, culminando no efetivo tombamento do “Conjunto Histórico e Paisagístico da Serra da Calçada” em 2008.
Os estudos do IEPHA resultaram em explicações claras e detalhadas sobre a ruína, bem como sobre outros sítios históricos e vestígios arqueológicos encontrados ao seu entorno. “A paisagem cultural da Serra da Calçada é constituída pela memória histórica da mineração dos séculos XVIII e XIX, registrada na permanência de edificações e estruturas de mineração”. E detalha: “O ‘Forte de Brumadinho’ é um exemplar da arquitetura civil do século XVIII, porém com traços particulares marcantes da arquitetura militar, com caráter defensivo pela sua posição estratégica”.
Conforme Dorr havia publicado em 1969, estava ali não só uma Mina de Ouro, como um Forte construído para abrigar e proteger as instalações de todo um complexo minerário que se espalhava por vasta área da Serra da Calçada em forma de “diques, bocas de galeria, segmentos de canal, canais calçados, barragens de derivação, açudes, trilhas calçadas, edificações de porte menor, bicames, cabeceira de talho aberto, drenagem de água, entre outros indícios (…), constituindo um privilegiado registro que afortunadamente documenta o processo extrativo e evolução tecnológica cuja história deu nome a Minas Gerais”.
Ao contrário do que sugeria um “Mapa das Ruínas da Serra da Calçada”, proposto em 1982 pelos professores de Brumadinho, uma grande cava em frente à ruína não seria uma “fosso natural”, como de fato parece ser aos olhos leigos ou desavisados.
“O maior e mais importante remanescente desse complexo – pelo menos em termos volumétricos e de supostas repercussões econômicas, sociais e ambientais – é a imensa cata a céu aberto ou talho aberto que se produziu à frente do forte para extração da jazida aurífera lá descoberta. Tendo impressionantes 500 metros de comprimento, 70 metros de largura máxima no topo e 30 metros de profundidade máxima, essa lavra repousa há séculos tomada por densa vegetação e sendo confundida com uma formação natural à maneira de um cânion ou ravina. Mesmo assim, ela consiste em um dos mais eloquentes testemunhos em Minas Gerais do estado da arte em tecnologia de exploração aurífera ou desmontação de catas no século XVIII, como atestam as suas dimensões e geometria e os vestígios arqueológicos em seu interior”, apontam os professores Frederico de Paula Tofani e Márcia Campos Moreira Tofani no artigo As Ruínas do Complexo de Exploração Aurífera do Forte de Brumadinho, de 2019.
Frederico de Paula Tofani e Márcia Campos Moreira Tofani têm se dedicado à pesquisar a Serra da Moeda desde 2009 com o Projeto Patrimônio Cultural e Natural na Serra da Moeda, Minas Gerais, desenvolvido na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Na introdução do artigo, eles destacam ainda múltiplas experiências como coordenadores de projetos e também na condição de consultores/conselheiros da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO); Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (IEPHA); Conselho Estadual do Patrimônio Cultural de Minas Gerais (CONEP), do Instituto Estadual de Florestas de Minas Gerais (IEF), entre outras instituições.
Os professores versam sobre como poderia ter sido a constituição deste complexo minerário do Forte, resgatando as bandeiras de Fernão Dias e outras explorações que percorreram o Rio Paraopeba atrás de metais preciosos entre o final do século XVII e início do século XVIII. Como era comum no período, os aventureiros tomavam o caminho de rios e de seus afluentes, na expectativa de encontrar algum vestígio de ouro de aluvião, àquele que se via com certa facilidade no leito e nas margens. Do Paraopeba podem ter seguido para os ribeirões Piedade e Casa Branca e, deles, avançaram para os córregos que os levariam até às nascentes da porção norte da Serra da Moeda, conhecida por Serra da Calçada.
“Então, em um momento que talvez jamais se saiba com precisão, alguém descobriu – onde o divisor de águas entre o Bernardino e o Senzala cruza a linha de contato entre os afloramentos quartzíticos e os morros filíticos – a rica jazida aurífera primária cuja extração motivaria o que pode ter sido um dos primeiros, maiores e mais importantes empreendimentos auríferos estabelecidos pelos portugueses na Serra da Moeda ou, talvez mesmo, no que foi a capitania de São Paulo e Minas de Ouro (1709-1720) e, depois, a capitania de Minas Gerais (1720-1821).”
Diante da ausência de fontes documentais sobre a construção do Forte, mas dada a dimensão do empreendimento que envolvia um trabalho muito além daquele necessário às catas superficiais, Frederico e Márcia permitem-se afirmar que a exploração da jazida aurífera “exigiu vultosos investimentos em tecnologia minerária e força de trabalho escrava, ao contrário da exploração de jazidas secundárias de ouro aluvional, sabidamente mais simples, menos dispendiosa e, portanto, mais acessível à maioria dos mineradores portugueses e luso-brasileiros de então. Isso fica evidente pelas grandes dimensões e pela sofisticação construtiva de algumas estruturas que foram produzidas nesse complexo e, em particular, a que seria conhecida, a partir de um momento indeterminado, como Forte de Brumadinho.”
À luz da investigação e do trabalho de José Pedro Xavier da Veiga, John Dorr, Augusto de Lima, IEPHA e de muitos outros pesquisadores que os precederam e sucederam, tanto o Forte de Brumadinho vem encontrando o seu efetivo lugar na história, como também se sugere como parte de uma complexa teia de relações formada em toda Serra da Moeda entre os séculos XVII e XVIII.
Neste sentido, os calçamentos construídos no acesso ao Forte e em outros trechos da Serra, se apresentam como possíveis partes integrantes de uma mesma trama, ligando o complexo minerário à outras vilas, povoados, estradas e sítios, incluindo a fazenda de cunhagem clandestina, que dista menos de 30km do trecho batizado como Serra da Calçada.
“A propósito, esse conjunto de bens arqueológicos, arquitetônicos e urbanísticos contribui para sustentar que a Serra da Moeda foi muito mais do que, como sugerem algumas fontes historiográficas, um espaço aurífero desimportante, alcançado pela vanguarda exploratória bandeirante ainda nos Seiscentos, esgotado rapidamente e relegado a uma integração marginal às redes econômicas, sociais e culturais sustentadas pelos portugueses, em escala mundializada, ao longo do Período Colonial. Ao contrário, tais bens são indicativos de que essa região foi parte constitutiva dessas redes, fundamental a elas, e a elas fortemente ligada seja nas esferas oficiais seja nas não oficiais”, aponta Frederico Tofani.
Raízes Históricas
Se o concurso nacional do prefeito Cândido Amibis Neto tivesse ido adiante, provável que os prêmios seriam distribuídos entre John, Charles, and Katherine – filhos de John Van N. Dorr II e Edith Ann Pierce, todos três nascidos no Brasil enquanto o casal vivia em Belo Horizonte. Contudo, errava Cândido ao pensar que era o passado da construção que estava em jogo.
“As ruínas do que foi o complexo de exploração aurífera do Forte de Brumadinho jazem silenciosas, cercadas de lendas e incógnitas e sob o espectro de graves ameaças à sua conservação, em terras de uma das maiores empresas de mineração do planeta – a Vale S.A.”, escrevem os professores Frederico de Paula Tofani e Márcia Campos Moreira Tofani na introdução do artigo publicado em 2019.
Desde 2007 que tramita na Assembleia Legislativa de Minas Gerais projetos e discussões que propõem integrar a Serra da Calçada ao seu vizinho Parque Estadual da Serra do Rola Moça – ou ainda que a Serra seja transformada em uma Reserva Particular do Patrimônio Cultural. Durante este período, houve ainda uma iniciativa de transformar o Forte em um ecomuseu, antes da Vale incorporar a Minerações Brasileiras Reunidas (MBR), que já detinha a propriedade da área.
É um tanto curioso pensar neste processo autofágico e ambíguo que assombra todo o complexo do Forte. Se por um lado o maior risco da preservação deste remanescente minerário se reflete no próprio processo da mineração – por outro é possível que o Forte continue exercendo um papel elementar na conservação da paisagem natural, histórica, cultural e esportiva da Serra da Calçada.
“Trata-se, enfim, de dar visibilidade, finalidade e sentido a esse bem extraordinário, tanto produzindo e reproduzindo conhecimentos sobre os atributos e valores que lhe conferem tamanha relevância quanto proporcionando infraestrutura e serviços que possibilitem a todo e qualquer cidadão o acessar e o experimentar em bases sustentáveis. Afinal, como bem sabe todo conservador, só preservamos o que nos é significativo, e para ser significativo tem de ser compreendido e vivenciado”, lembram Frederico e Márcia.
Lá se vão quase 300 anos desde que estas pedras começaram a ser empilhadas e, apesar dos tempos e contratempos, o Forte de Brumadinho dorme mais esta noite para acordar nas sombras da Calçada, cuja cumeada guarda o sol vagaroso que brota do leste, de onde se vê a Serra da Piedade e o Morro do Pires. No seu interior, as árvores seguem se ajeitando no espaço, uma espécie de orquestra silenciosa que bailarina o descortinar da vida, redesenhando a paisagem da ruína ano atrás de ano. Encarando o espetáculo inquieto que habita esta construção, ainda em contínua dissimulação, parece até uma anedota a história que ela veio assumindo contar. A mineradora do século XVIII que ficou no meio do caminho da mineradora do século XXI.